segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

À CONVERSA COM CELESTINO SILVA E FILOMENA FARIA



CELESTINO SILVA, ARTESÃO ESPOSENDENSE, EXPÕE A SUA COLEÇÃO DE PRESÉPIOS E IGREJAS, NO CENTRO DE INFORMAÇÃO TURÍSTICA DE ESPOSENDE

“Sou um autodidata. Um curioso que procura mostrar um pouco do que havia antigamente na agricultura e na arte sacra”

Celestino Ferreira da Silva nasceu em 20 de janeiro do ano de 1947 na freguesia de Gandra, Esposende. É casado com Maria Filomena Faria Torres e têm 3 filhos. A Elisabete, o José e o Celestino. Reside em Curvos desde 1971, ano em que se casou. Reformado da atividade da construção civil, onde se especializou em acabamentos, trabalhou em Portugal mas cedo emigrou para a França. Logo que pode levou consigo a sua esposa para a França. Em 1980 regressaram a Portugal, tendo fixado residência na Freguesia de Curvos, onde construiu residência e ainda hoje residem. Em Portugal estabeleceu-se por conta própria, continuado na área da construção civil. Fazia obras para particulares e para si próprio. Em 2003 volta para França onde esteve até 2006. Nesta data regressam “de vez” a Portugal e passa a dedicar-se aquilo que gosta que é a realização de trabalhos em gesso. Pelo meio ainda teve uma Café, na freguesia de Curvos, chamado “Café Cultura”, uma novidade para a altura, trazendo um novo conceito cultural a um espaço de restauração. Local onde a D. Filomena expôs, em permanência um valioso conjunto de coleções pessoais que foi juntando ao longo da vida.
Dessa exposição, que atraiu muitos curiosos e apreciadores, constam:
Coleção de mais de cinco mil postais, de seis mil selos de Portugal, Brasil e outros países e mais de um milhar de cartas decoradas.
Esta entrevista acaba por contemplar uma conversa conjunta, tendo como destinatários o Casal Celestino e Filomena Silva, uma vez que estamos perante duas pessoas com especial carisma e dons artísticos. De referir ainda que a D. Filomena, editor em abril deste ano uma coletânea poética intitulada «Alma de Loba».
Vamos então conhecer um pouco melhor estes meus amigos, CELESTINO e FILOMENA. As suas raízes, percursos, formação, gostos, a arte e as suas obras.

O ARTISTA
Celestino Silva iniciou-se no artesanato com 15 anos de idade tendo construído logo à data construído uma miniatura da “Capela da Senhora da Guadalupe”, com todos os pormenores, tanto interiores como exteriores. Prestou serviço militar na Figueira da Foz. Nessa altura nasceu mais uma importante escultura, o Hotel Ofir, onde empregou cerca de 12 mil fósforos. Foram-se seguindo outros trabalhos em madeira, como é o caso das 15 igrejas paroquiais do concelho de Esposende e outras peças, como a fachada do Mosteiro da Batalha, trabalho executado em cerca de 310 horas.
Todo o seu artesanato em madeira está conectado com a arte sacra, sendo que quase todas as peças têm um presépio dado o seu gosto pessoal pelos mesmos, assim como o mundo rural, com carros de bois, lagaretas, noras, moinhos. No espólio deste artesão, pode-se ainda encontrar muitos trabalhos com inspiração no século XVII, tais como miniaturas representando a porta do convento da Madrededeus em Lisboa, uma prensa pombalina e pequenas peças de mobiliário. O Sr. Celestino possui uma coleção fantástica, que nos toca pelo pormenor e pela excelência.

GOSTOS PESSOAIS
“Bem, gosto de tudo que é bom, especialmente de boa gastronomia e um bom prato.”

DESPORTOS PREFERIDOS. CLUBE?
“Gosto e futebol. Fui jogador amador em novo. Sou benfiquista. Gosto que vençam mas não perco muito tempo com a bola.”

HOBBYS?
“O meu hobby são os pássaros. Adoro pássaros. Tenho canários, piriquitos e agaponis. O “Quico” trata por nome todos os da casa.” Eu testemunhei isto mesmo, durante a entrevista, realizada precisamente numa sala onde está o Quico.

EM QUE OCUPA OS TEMPOS LIVRES?
“Os meus tempos livres são ocupados em duas atividades que me dão imenso prazer. Na horta e no artesanato.”

ESCRITA E LEITURA
“Para escrever nunca tive grande vontade. Gosto é de ler. Leio de tudo um pouco, mas acima de tudo jornais, onde me tento manter informado.”

COMO É QUE SE DEFINE A SI PRÓPRIO?
“Sou um autodidata. Um curioso, que procura mostrar um pouco do que havia antigamente na agricultura e na arte sacra.”

DE ONDE LHE VEIO O DOM?
“Quando em novo comecei a trabalhar, naquele tempo começava-se a trabalhar de tenra idade, ao contrário do que hoje acontece, comecei na construção civil, que era o que havia. O que eu queria mesmo era ser “marceneiro”, mas não consegui. Certo é que sempre gostei de mexer em madeira.”

E OS FILHOS?
“Os meus filhos são habilidosos para as artes, mas neste momento não fazem nada nesta área. Talvez um dia comecem como eu comecei.”

FEIRAS MENSAIS DE ARTESANATO. SEI QUE FREQUENTA VÁRIAS FEIRAS NA NOSSA REGIÃO. ESSASS FEIRAS SÃO LUCRATIVAS?
“Neste momento participa com regularidade na Feira mensal de Artesanato que se realiza no Largo Rodrigues Sampaio na cidade de Esposende. Também costuma participar noutras Feiras de Artesanato que se realizam em Vila Verde, no Cais de Gaia, em Ponte de Lima e em Amares. A estas últimas já não vou com a mesma regularidade com que ia noutros tempos, porque torna-se um pouco cansativo e as vendas hoje estão muito más. As pessoas, tendo dificuldades financeiras para acudir a outros bens de primeira necessidade, não investem em arte. Nota-se que as pessoas que apreciam e gostam, até pelos comentários que vão fazendo, mas faltam-lhes os recursos para investir e nem sequer estamos a falar em valores elevados. Como digo a venda é pouco significativa, por isso vou mais pelo prazer de mostrar o que faço e pelo convívio.
"SOU ÚNICO DO MEU ESTILO NAS FEIRAS”

JÁ FOI O ARTISTA DO MÊS NA FEIRA DE ESPOSENDE?
“Sim, já fui. Foi no dia 28 de agosto do ano passado.”

COMO CLASSIFICA A ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DESTAS FEIRAS DE ARTESANATO?
“Gostava que a Feira de Esposende fosse mesmo e só de artesanato em vez de muitas vezes ser mais uma “feira de quinquilharias. Aqui há tempos presenciei à instalação de uma banca em que a senhora foi à loja ao lado comprar umas bijuterias e logo as colocou na banca como se fossem obra da sua própria arte. Isto é péssimo.”

O MUNICÍPIO DE ESPOSENDE TEM APOSTADO NA CULTURA E NAS ARTES. ACHA QUE DEVE SER FEITO MAIS?
“Acho que tem havido uma boa aposta, mas que pode ser feito muito mais.”

E O APOIO AOS ARTISTAS?
“O apoio aos artistas é praticamente inexistente. Estou a falar do meu caso em particular, porque não conheço a realidade dos outros artesãos. Acha lamentável que tenhamos que pagar um bilhete de 6,25€ por presença em cada feira. Dou-lhe outro caso. Tivemos que pagar à Câmara o guarda-sol, quando o mesmo faz publicidade à Câmara. Se o tivemos que pagar, que pelo menos fizesse alusão ao artesão.”

NESTE MOMENTO ESTÁ COM UMA EXPOSIÇÃO NO POSTO DE TURISMO
PODE SER VISITADA ATÉ AO DIA 10 DE JANEIRO
“Fui convidado pelo Sr. Miguel e pela D. Aurora e disse logo que sim, tal como dizia sempre que o Mário Fernandes me convidou a expor na Freguesia de Curvos, na altura em foi presidente da Junta. Esta mostra permite-me levar a um maior número de pessoas aquilo que tenho feito e o concelho também feita a ganhar, pois vê aumentada a sua oferta cultural.”

QUAIS SÃO AS OBRAS QUE SE ENCONTRAM EXPOSTAS?
“Essencialmente Arte Sacra e arquitetura religiosa, construídos em barro, pedra e madeira. Presépios, igrejas, mosteiros e basílicas. Estão expostas cerca de 50 peças, assim distribuídas;”
35 Presépios, a Basílica de S. Pedro, a Basílica de Fátima, o Mosteiro da Batalha, um Oratório Presépio, um Oratório com Cristo, as 15 igrejas do concelho. Tenho lá também uma obra muito original, que é a Basílica de Fátima com as 18 Sés dos Distritos de Portugal continental.

QUAL É A SUA OBRA MAIS RECENTE?
“É A Estátua dos Homens do Mar de Esposende. Aquele monumento que se encontra no Largo Rodrigues Sampaio. Também está exposta nesta exposição”

PORQUE É QUE SE ESPECIALIZOU EM ARTE SACRA?
“Porque como sabe, sou cristão. Sempre adorei o Presépio. Quando comecei, todas as minhas peças tinham Presépios. Sou fã de Presépios. As pessoas apreciam e gostam. Tenho vendido muitos Presépios para colecionadores.”

TRABALHA POR ENCOMENDA?
“Sim. Já tenho feito muitas peças por encomenda.”

BEM, VAMOS AGORA FALAR UM POUCO DA NOSSA TERRA. O QUE PENSA DA CIDADE E DO CONCELHO DE ESPOSENDE?
“Esposende é um concelho bom para se viver. É muito bonito. Para mim é tudo.”

O QUE É QUE FALTA NO NOSSO CONCELHO?
“Mais apoio aos artistas e artesãos. A criação de um espaço de artes, onde os artistas pudessem trabalhar e expor as suas obras.”

SENHOR CELESTINO, UM SONHO?
“Ter saúde.”

UM OBJETIVO?
“Ver os meus trabalhos divulgados pelo maior número de pessoas possível e por terras distantes. Já agora aproveito para lhe dizer que tenho recebido encomendas de várias zonas do país e até para o estrangeiro.”

O QUE É QUE AINDA LHE FALTA FAZER?
“A Igreja da Graça em Lisboa – Panteão Nacional.”

E ENTÃO DE QUE É QUE ESTÁ À ESPERA?
“Um dia, quem sabe. O único problema é a distância. Precisava deslocar-me lá. Se estivesse mais perto já estaria feita.”

CONSEGUE VIVER DA ARTE?
Risos… “Não! Sabe, as mulheres não querem nada em cima do mobiliário para não ter que limpar o pó. A brincar a brincar vou ouvindo muitas vezes isto nas conversas nas Feiras de Artesanato. Estou nisto por puro prazer, mas claro que gostava de vender muito mais.”

ATLIER EM CURVOS
É onde trabalha e onde recebe visitas das escolas e outras. É um local de passagem obrigatória. Muitas ferramentas e muitos trabalhos. É aqui que o Sr. Celestino passa muitas horas do dia e da noite.

ONDE ESTÃO À VENDA OS SEUS TRABALHOS?
“Nas feiras, nas exposições e no meu atelier, que fica junto à minha casa, aqui na bonita e única Freguesia de Curvos.”

GOSTAVA DE UM DIA VER OS SEUS TRABALHOS NUM MUSEU?
“Claro que sim. Tal como a maior parte das pessoas que produzem arte, também eu gosto de a ter exposta.”

FILOMENA FARIA
Vamos agora falar um pouco da esposa do Sr. Celestino, a “Dona Mena”.
Nasceu na Freguesia de Curvos no dia 6 de janeiro do ano de 1951. Foi para o Brasil com 10 anos e regressou quando tinha 18. Depois foi o que já sabemos, casou e acompanhou o marido nas suas idas a França.
Uma colecionadora “apaixonada” que conseguiu juntar coleções únicas compostas por milhares de peças, vindas dos quatro cantos do mundo. Selos, postais, cartas e livros. Para além disso, uma escritora escondida, que começou a escrever desde bem cedo, mas que talvez por falta de oportunidade só recentemente se decidiu a publicar o seu primeiro livro «Alma de Loba».

SOBRE QUE É QUE ESCREVE DONA MENA?
“Sempre escrevi histórias, contos, romances e poemas. Comecei a escrever poemas quando tinha 15 anos de idade. Alguns dos meus escritos encontram-se em duas coletâneas. Em tempos também escrevi num blogue intitulado – poetas do solar.”

VOU DEIXAR AQUI UM DOS POEMAS DO SEU LIVRO ALMA DE LOBA
BRINCANDO COM AS PALAVRAS
Quando saíres desse teu mundo,
Sofisticado e incoerente…
Vem visitar o meu, que é bem mais banal!
Indefinido, inexplicável, incompreendido,
Sem arte nem sentido, sem bem nem mal…
Tudo se resume às letras,
Que vou juntando para formar palavras.
Digo o que quero, sem medos nem fingimentos,
Digo o que penso?
Retalho as palavras, desfaço-as…
Invento-as!
As verdades mais duras,
O sofrimento mais intenso,
Tudo eu posso, nas palavras que escrevo.
Digo quem sou, tal como me conheço,
E a quem me conhecem
Que me amem ou não…
Não balanço na corda,
Nem que me fustigue o vento,
Das amizades que não quero,
Nem aceito.
As possíveis indiferenças…
Não as quero para mim,
Nem aos outros as ofereço.
A indiferença mata,
Até os mais fortes sentimentos.
Sou como as folhas das árvores,
Ou como as raízes, presas no chão.
Definam-me como quiserem,
Porque importância, não dou!
Em dias sou mulher,
Em outros, apenas um ser.
Dou simples sorrisos ou grandes gargalhadas!
Mas também tempero a vida,
Com minhas lágrimas salgadas…
E dentro deste meu corpo,
Carrego tempestades,
Sou imprevisível como o tempo…
Comigo, ninguém tem certeza de nada.
Sou fúria, sou vento…
Raios que cortam o céu,
O estrondo da trovoada…
Mas também sou uma doce criatura,
Meiga, carinhosa, apaixonada.
Escrevo poemas, mas não digo nada.
Conto uma história, verdadeira ou inventada…
Falo de tudo e de nada…
Só pelo gosto das letras,
Que vou juntando,
Para formar palavras.
[Mena Faria]

NOTA FINAL
Conheço o meu caro amigo, Celestino Ferreira, a sua esposa Mena Faria e os demais familiares, há mais de 25 anos. Pessoas sempre abertas à modernidade e muitos sensíveis a temas como a arte, a escrita e a cultura no seu todo.
O Sr. Celestino expôs, a meu convite por várias vezes nas instalações da sede da Junta de Freguesia de Curvos e sempre fez questão de participar nas inúmeras atividades culturais que promovi. Participou em workshops e sempre me recebeu no seu atelier com toda a simpatia e bem receber.
A D. Mena participou num concurso de escrita que contou com inúmeros trabalhos de escritores de referência, tendo sido premiada pela qualidade e originalidade da sua escrita. Histórias e contos a retratar, em muitos casos, a sua própria vivência e o seu percurso de vida. Fui júri nesse concurso e gostei de conhecer a sua obra. Recomendo a leitura do seu livro de poesia «Alma de Lobo» porque aí se encontram poemas de uma enorme sabedoria e originalidade.
Muto obrigado pela forma como mais uma vez me receberam um sua casa e pela sempre pronta resposta a todas as questões que lhes coloquei. Foi um prazer realizar esta entrevista e com ela dar a conhecer um artesão de excelência e uma colecionadora e escritora de grande valor. Duas personalidades curvenses que engrandecem a arte e a cultura do nosso concelho e levam longe o nome de Esposende.

FELIZ NATAL
Desejo um Santo Natal e festas felizes a todos os leitores, amigas e amigos. Sendo este um período de especial celebração natalícia, importa que tenhamos uma atenção redobrada a todos quantos sofrem e àqueles que passam por dificuldades. Que a solidariedade esteja presente com mais força do que nunca, tanto nas nossas palavras como e sobretudo nos nossos atos e ações.
Um abraço.
Mário Fernandes
18-12-2015






1 comentário:

Alice Costa disse...

O Sr. Tino e a Meninha são dois grandes artistas!
Parabéns aos dois e muito sucesso!
Alice