SÉRGIO DO FÔJO HÁ MAIS DE 4O ANOS A ANIMAR A
NOITE FANGUEIRA. MÚSICO, POETA IRREVERENTE E TROVADOR.
“Quero ser livre, já que o meu
espírito é selvagem”
Alberto
Sérgio Cardoso de Sousa, o popular «Sérgio do Fôjo», nasceu em Fão no dia 17 de
maio do ano de 1948. Com residência em Esposende, onde passa mais tempo é em
Fão na sua taberna típica, o FÔJO.
Casado com
D. Carminda tem 4 filhos; A Mónica, o André, o Sérgio e a Maria Betânia. O "Sérgio do Fojo" é uma figura
carismática, com cabelos ao vento e barba grisalha, surpreende-nos pelas
palavras e pela sua forma de estar, baseada numa filosofia de vida única.
Admirado por muitos, gere uma das tabernas mais típicas do norte do país, onde
recebe imensos turistas e visitantes.
Foi
serrador e pescador. Ainda hoje tem o seu barco, com o qual pesca, embora o
tempo disponível já não seja o mesmo. A sua vida essa dedicou-a quase em
exclusivo ao bar mais popular da foz do Cávado, implantado a poente e a sua da
ponte de Fão. Não deve haver ninguém que desconheça a existência, há largos
anos, deste espaço de lazer e de restauração.
O facto de
apenas ter feito a quarta classe, não o impede de escrever magníficos versos,
que depois canta e dedica a alguém. Fui surpreendido com o arquivo de poemas e
outros textos guardados em duas enormes caixas. Vi alguns, apenas os últimos e
achei-os muito interessantes. “Todos meus e todos originais”, como referiu o
seu autor.
Optei por
fazer esta entrevista agora, depois de passar algum tempo da polémica envolta
na intenção das autoridades para mandar demolir esta taberna tradicional.
Andaram por cá as televisões, os jornais e na internet muito se comentou. Foram
criadas petições de apoio ao Sérgio e as discussões foram mais que muitas.
Houve ainda lugar para uma manifestação, junto ao Fôjo que juntou cerca de um
milhar de pessoas.
Vamos então
conhecer um pouco melhor o amigo Sérgio, uma das figuras mais populares do
nosso concelho, ainda há bem pouco tempo com os holofotes dos “média” em cima,
devido à hipotética ordem de despejo do Fôjo.
As questões
que se seguem são aquelas que a maior parte do público nunca viu respondidas.
Algumas talvez nunca lhe tenham sido colocadas, outras porque estão aqui
respondidas com maior profundidade. Acho que tive a sorte de apanhar o meu
entrevistado de hoje num dia de inspiração excecional e com um à vontade e uma
paz de espírito tocantes.
UM HOMEM SINGULAR… E PORTISTA
“Sou do Futebol clube do Porto.”
O QUE É QUE MAIS GOSTA DE FAZER?
“Gosto de conversar e de beber um copo. Adoro animar
as pessoas. De as fazer felizes. Gosto de tocar e de cantar na minha taberna e
de ter as pessoas animadas.”
“FESTAS DOS PESCADORES” TIVERAM INICIO NO
FÔJO
“Foi aqui no meu bar que se realizaram, por
minha iniciativa, as festas dos pescadores do concelho de Esposende. Dei de
comer a todo o mundo, dia e noite. Convidava todas as entidades ligadas ao rio,
ao mar e à pesca. Também convidei as autoridades locais. Realizaram-se aqui
corridas de barcos e atribuí condecorações a muitos pescadores. As duas
primeiras festas foram realizadas aqui. Depois mudaram-nas para Esposende.”
PORQUE É QUE FORAM MUDADAS PARA ESPOSENDE?
“Porque foram um
sucesso e politicamente aproveitaram-nas e levaram-nas para Esposende. E sabe,
nunca me convidaram para a Festa do Pescador que levaram precisamente daqui
para a cidade.
SE FOSSE CONVIDÁDO ÍA?
“Claro que ia. Eu
iniciei-as e gostei que tivessem seguimento. Agora até já são feitas em Fátima.”
O SÉRGIO AINDA TEM O SEU BARCO. CONTINUA A
PESCA?
“Sim. Pesco lampreia e
solha, mas distraio-me muito. Já não tenho idade para isso.”
FREQUENTA O “CANTINHO DO PESCADOR”?
“Não. Esse espaço devia
estar aberto e ter condições mínimas para as pessoas poderem ir para lá. Está
sempre fechado.”
O “FÔJO” EXISTE
DESDE O ANO DE 1974
“O Fojo nasceu ali onde
eu nasci. A minha mãe dizia que fui feito ali e que foi ali que nasci. O Fôjo
já tem mais de quarenta anos e foi sempre aprovado por todas as instituições.
Quando comecei a construir o Fôjo, pensava fazer e desfazer todos os anos.
Acontece que fi-lo e os pescadores começaram a aparecer e a ajudar e então fui
aumentando e melhorando.
As primeiras licenças
de funcionamento eram anuais e sempre me foram renovadas. Foi aqui que,
primeiro os pescadores e depois outras pessoas se juntavam para descontrair e
conviver.”
A CONSTRUÇÃO DO FÔJO
“Comecei a construir
aos bocadinhos. Plantei vegetação para proteger dos ventos, para decorar e para
reduzir o impacto visual. Este trabalho foi feito por mim, com a ajuda pontual
de alguns dos pescadores que andavam por aqui comigo. A manutenção foi sempre
feita por mim.”
COMO COMEÇOU O FÔJO?
“Começou por ser o
sítio onde os pescadores montavam a estacada, em frente ao rio onde se apanhava
a lampreia. Os pescadores juntavam-se aqui, onde convivíamos e bebíamos uns
copos. Hoje é o que toda a gente sabe. Um espaço onde as pessoas se juntam para
beber uns copos, contar histórias, conviver e ouvir umas serenatas.”
AS NORTADAS DO FÔJO
“FIZ MAIS DE MIL
FESTAS DE HOMENAGEM AOS PESCADORES”
“Muitos pescadores que
passaram por aqui seguiram a sua vida e muitos deles, com a experiência daqui,
foram abrir os seus próprios negócios. Fico contente quando os vejo a ter
sucesso nos seus negócios. É bom para eles e para as famílias deles.”
1.000 PATOS NAS MARGENS DO CÁVADO
CONTE-ME LÁ A HISTÓRIA DOS MIL PATOS.
“Comprei mil patos com
apenas um dia de vida. Ainda andam alguns por aí, porque eles reproduzem-se com
facilidade. Soltei-os mas recolhia-os diariamente. No primeiro dia comeram um saco
de produto, ao fim de dez dias já comiam dez sacos e ao fazer um mês eram vinte
sacos, o que se tornou incomportável. Passado um ano, já adultos, na fase
primaveril soltei-os de vez. Alguns já pesavam cerca de cinco quilos.”
DE ONDE LHE VEIO A IDEIA PARA COMPRAR E TRAZER
OS PATOS PARA AQUI?
“Quando era criança
tínhamos patos lá em casa. Deu-me saudades e pronto. E sabe os patos atraíram
até esta zona milhares de pessoas. Então as crianças deliravam com os patos. Ao
mesmo tempo também ajudei na preservação do ambiente.”
MAS NA ALTURA FALOU-SE QUE AS AUTORIDADES
ESTARIAM CONTRA. É VERDADE?
“Sim. Começaram a
questionar, dizendo que os patos podiam vir desequilibrar o ecossistema. Sabe,
os patos não comem peixe. Até os partidos políticos se quiseram meter nisso. A
maior parte apoiou-me, porque viam-nos como mais uma atração turística e na
verdade os patos não faziam nenhum mal, nem à natureza, nem ao rio, nem a nada.
Habituei-me a defender-me.
”SABE, JÁ A MINHA
MÃE ME DIZIA: FILHO PÕE-TE DURO”
“Posso-lhe dizer
que eu sou um dos principais defensores do ambiente, aqui nesta zona.”
E A ETAR CONSTRUIDA EM FRENTE AO FOJO MESMO
AO LADO DA PONTE. O QUE LHE PARECE?
“Sou totalmente contra,
como acho que será quase toda a gente. Eu acho que as autoridades locais se
deveriam ter oposto aquilo. Para mim, aquilo é um atentado. Se reparar tem sido
escritas ali algumas frases de descontentamento. A última diz «PETRÓLEO EM FÃO.
ESTAMOS RICOS»… gargalhadas...”
VOLTEMOS AO FÔJO. NESTA ALTURA JÁ NÃO ME
PARECE IMPORTANTE ABORDAR A QUESTÃO DA RECENTE POLÉMICA DA DEMOLIÇÃO, MAS NÃO
PODEMOS DEIXAR DE RESUMIR AQUILO QUE SE TERÁ PASSADO.
“Foi mais um dos
processos muito custosos para mim. Recebi uma carta a dar-me quinze dias para
demolir e fiquei transtornado com aquilo. O que fiz foi tornar esta situação
pública e logo senti a solidariedade de muita gente. Amigos, clientes,
conhecidos e desconhecidos e na internet logo apareceram grandes movimentos de
apoio à conservação do Fôjo. Fui à Câmara com a minha filha Mónica e fizemos
questão de levar toda a documentação, porque eu arquivo sempre tudo e mostrámos
na Câmara. Todos os papéis dizem que estamos legais. Reunimos com o senhor
Presidente da Câmara, Arq.º Benjamim Pereira, que se mostrou disponível,
dizendo que a Câmara apenas reencaminhou uma comunicação que recebera de outra
entidade pública, a Agência Portuguesa do Ambiente, mas que estava totalmente
disponível para colaborar, garantindo também a defesa do espaço. Acho que no
final tudo acabou em bem.”
MANIFESTAÇÃO JUNTOU CERCA DE MIL PESSOASS EM
DEFESA DO FÔJO. FOI O SÉRGIO QUE CONVOCOU ESSA MANIFESTAÇÃO?
“Não. Eu não convoquei
nada. Formou-se, foi uma grande onda de solidariedade com as pessoas a
aparecerem e a mostrarem-me todo o seu apoio. Cidadãos anónimos, figuras
públicas, políticos, partidos, todos se manifestaram a favor da continuação da
minha taberna. Fiquei muito comovido. Não tive como agradecer às pessoas.”
FECHADO ESSE EPISÓDIO, ACHA QUE O FÔJO
DEIXOU DE ESTAR EM PERIGO?
“Eu sei que o Fôjo tem
carências e reconheço-o. Eu quero melhorar, tal como sempre o fiz. É uma
taberna tradicional. Os turistas estão fartos de casas que não lhes dizem nada.
Tudo de azulejo, tudo igual e chegam aqui e acham piada.
A decoração com cordas, os bancos
em madeira e as pessoas sentem-se à vontade. Sabe só não quero aqui drogas.
Sempre estive atento e tive esse cuidado. Agora, mais copo, menos copo…”
DE ONDE VEM OS PRINCIPAIS CLIENTES?
“A maioria são
portugueses, porque esses vem cá todo o ano. Vem gente de todas as classes e
profissões. Gerentes bancários, empresários, trabalhadores, pescadores,
estudantes, políticos, vem cá muita gente.”
E ESTRANGEIROS? SEI QUE TAMBÉM VEM CÁ
MUITOS. DE ONDE VEM?
“Austríacos,
holandeses, Suecos, Alemães e Franceses. Vem turistas de outros países mas
talvez os que referi seja de onde vem mais. Muitos são-me fieis. Vem cá todos
os anos.”
QUAL É O HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO?
“Aberto durante todo o
ano, ao fim de semana. No verão abro diariamente, mas sempre só à noite. De dia
abasteço e à noite abro ao público.”
O QUE É QUE SE SERVE NO FÔJO?
“Camarão, atum,
bacalhau, churrasco, de tudo um pouco. E boa pinga, claro.”
A MITICA «BOTA D’ÁGUA»
“A bota d’água é a
especialidade da casa. É uma bebida servida numa caneca de litro, feita por
mim.” COM QUE
INGREDIENTES? “A composição é segredo de estado, meu
amigo….” risos…
E A ANIMAÇÃO?
“A animação é feita por
mim. Toco viola, guitarra e canto. Gosto de dedicar poemas a pessoas e a
terras. Já dediquei poemas a Fão, a Apúlia, a Fonte Boa e a muitas outras
terras”
UMA TABERNA DE UM HOMEM COM UMA FILOSOFIA DE
VIDA MUITO ORIGINAL E MUITO PRÓPRIA
“Os clientes sentem-se
bem aqui. Muitos vem até cá, convivem, divertem-se e vão se embora. Alguns dali
a pouco voltam, quando eu pensava que já se tivessem ido, eis que voltam.”
SEI QUE JÁ PASSARAM POR AQUI CANTORES
FAMOSOS COMO SIMONE DE OLIVEIRA, RITA GUERRA, RÃO KYAO E OUTROS.
“É verdade. Já passou
por aqui toda essa gente da música nacional. Cantaram cá, o que me deixou
sempre muito contente. Também já cá esteve SAMUEL CABRAL, o guitarrista de
passa por mim no Rossio.
Já cá esteve Manuel
Monteiro, Alberto Figueiredo veio cá nas duas Festas dos Pescadores que aqui
realizei, em 1993 e 1994, o atual presidente da Câmara também já cá veio, mas
antes de ser presidente e muitas outras personalidades locais e nacionais.”
O SÉRGIO PARECE UM HOMEM MUITO SÓ. A QUE SE
DEVE ESSE SEU ISOLAMENTO?
“Eu gosto de fazer as
coisas sozinho, de contar apenas comigo. Às vezes é duro levar as coisas para a
frente, mas eu não desisto. Não quer dizer que eu não gosta da ajuda dos
amigos. O que eu não gosto é de estar a contar com eles. Assim nunca falho,
porque apenas conto comigo, custe o que custar.”
UM DESEJO?
“Continuar a merecer a
amizade das pessoas e a sua visita. Os sonhos são para quem está acordado. Quem
dorme não sonha, está inconsciente.”
POETA E MÚSICO. UM VERDADEIRO TROVADOR
Deixo aqui alguns textos do Sérgio, tirados ao acaso de um
dos dois caixotes cheios de escritos seus, em papel de toalha de mesa.
O amor é como a ciência
da engenharia
E quando se esgota e não está certo,
Faz-se um novo projeto…
E nasce um novo amor!
Enquanto vivo,
Sinto que a morte não existe
E pensar nela é um desperdício
De tempo real!
Gosto do mar revolto
Porque me faz pensar
Nas crianças irrequietas
E na sua vida quando crescem!
E já será tarde
Quando se descobre que o casamento
É como uma lei imposta
Como uma ditadura quase escravizante
Que nos obriga a viver em… sociedade!
Não quero ir para o Céu
quando morrer
Porque tenho medo das alturas
E me acabe o combustível
…No percurso!
Os Deuses num gesto
inédito
Decidiram reunir num parlamento
E no congresso
Pôr fim às… guerras!
Admiro a imponência dos
galos e a elegância
Quando impõem nas passadas a sua postura
Talvez cantem ou chorem,
Ao nascer do dia,
Mas a lei da sobrevivência
Diz-me que sou criminoso…
Por gostar deles!
Autor: Sérgio Sousa
NOTA FINAL
Conheço o
meu caro amigo Sérgio há imensos anos. Há cerca de trinta anos, fui
frequentador do «FÔJO», tal como acontecia com os muitos jovens que por ali
passavam ao fim de semana. Mais do que um bar ou uma taberna típica, o Fôjo é
um espaço de cultura cheio de histórias vivenciadas por um homem com uma
filosofia de vida muito própria, onde impera o bem-estar, a descontração e a
alegria ao som da guitarra tão bem dedilhada pelo Sérgio.
Também
fiz questão de assinar a petição na internet contra a demolição do Fôjo, porque
acho que o caminho deve ser outro o seja, a modernização da taberna. Assinei e
escrevi lá o seguinte comentário: “O FOJO de FÃO faz parte do património
material e imaterial de Portugal. Qual museu, qual sala de exposições; o Fojo é
tudo isso e muito mais.
O FOJO é a casa das mais vivas tradições locais. 09h07 de 14/10/2015.”
O FOJO é a casa das mais vivas tradições locais. 09h07 de 14/10/2015.”
Como curiosidade e mesmo a encerrar
tenho que referir que a nossa conversa se dividiu em duas partes. A primeira
conversa decorreu na cidade de Esposende, junto à sua casa, com o rio ao fundo.
O enceramento da entrevista aconteceu neste bar mítico, banhado pelo Cávado, um
espaço único, com uma decoração fantástica, repleto de versos e dedicatórias em
todo o lado, qual delas a mais original. O Curioso mesmo é o facto de por mero
acaso e sem marcação prévia a minha vinda ao Fôjo ter coincidido com um
encontro casual da maior importância entre o Sr. Sérgio e o Arqº Benjamim
Pereira, presidente da Câmara, aqui mesmo junto ao Fôjo. Ao chegar ao pé de
mim, ainda algo emocionado, diz-me o Sérgio. Você trouxe-me sorte. Então não é
que acabo de me cruzar aqui junto à ponte com o Sr. Presidente da Câmara, Arqº
Benjamim (e outros membros da Câmara), que me tranquilizou quanto ao processo daqui
do bar. Coincidências, Sr. Sérgio. Felizes coincidências!
Muto obrigado Sr. SÉRGIO. Adorei a
conversa que tivemos e a forma franca e aberta como trata todas as questões. A
sua sinceridade, a emoção e as lágrimas no canto do olho, marcaram-me. Desejo-lhe
as maiores felicidades e que o “Fôjo” se modernize e perdure no tempo, enquanto
ícone das margens da foz do nosso Cávado.
Obrigado pela amizade que me
dispensa, que como sabe é reciproca.
Um abraço, forte.
VIVA 2016!
Que este ano de 2016 seja um ano de
renovada ESPERANÇA. Que os nossos desejos e objetivos se concretizem e que os
nossos sonhos se vão tornando realidade. O meu principal desejo é ter saúde.
Com saúde tudo se consegue. Desejo a todos muita saúde e as maiores
felicidades. Aos que habitualmente acompanham a minha intervenção e a minha escrita,
um obrigado muito especial pelo incentivo que isso representa.
Vá lá, sejam felizes!
Vá lá, sejam felizes!
Mário Fernandes
02-01-2016
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