quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

À CONVERSA COM O "SÉRGIO DO FÔJO"




SÉRGIO DO FÔJO HÁ MAIS DE 4O ANOS A ANIMAR A NOITE FANGUEIRA. MÚSICO, POETA IRREVERENTE E TROVADOR.
“Quero ser livre, já que o meu espírito é selvagem”
Alberto Sérgio Cardoso de Sousa, o popular «Sérgio do Fôjo», nasceu em Fão no dia 17 de maio do ano de 1948. Com residência em Esposende, onde passa mais tempo é em Fão na sua taberna típica, o FÔJO.
Casado com D. Carminda tem 4 filhos; A Mónica, o André, o Sérgio e a Maria Betânia. O "Sérgio do Fojo" é uma figura carismática, com cabelos ao vento e barba grisalha, surpreende-nos pelas palavras e pela sua forma de estar, baseada numa filosofia de vida única. Admirado por muitos, gere uma das tabernas mais típicas do norte do país, onde recebe imensos turistas e visitantes.
Foi serrador e pescador. Ainda hoje tem o seu barco, com o qual pesca, embora o tempo disponível já não seja o mesmo. A sua vida essa dedicou-a quase em exclusivo ao bar mais popular da foz do Cávado, implantado a poente e a sua da ponte de Fão. Não deve haver ninguém que desconheça a existência, há largos anos, deste espaço de lazer e de restauração.
O facto de apenas ter feito a quarta classe, não o impede de escrever magníficos versos, que depois canta e dedica a alguém. Fui surpreendido com o arquivo de poemas e outros textos guardados em duas enormes caixas. Vi alguns, apenas os últimos e achei-os muito interessantes. “Todos meus e todos originais”, como referiu o seu autor.
Optei por fazer esta entrevista agora, depois de passar algum tempo da polémica envolta na intenção das autoridades para mandar demolir esta taberna tradicional. Andaram por cá as televisões, os jornais e na internet muito se comentou. Foram criadas petições de apoio ao Sérgio e as discussões foram mais que muitas. Houve ainda lugar para uma manifestação, junto ao Fôjo que juntou cerca de um milhar de pessoas.
Vamos então conhecer um pouco melhor o amigo Sérgio, uma das figuras mais populares do nosso concelho, ainda há bem pouco tempo com os holofotes dos “média” em cima, devido à hipotética ordem de despejo do Fôjo.
As questões que se seguem são aquelas que a maior parte do público nunca viu respondidas. Algumas talvez nunca lhe tenham sido colocadas, outras porque estão aqui respondidas com maior profundidade. Acho que tive a sorte de apanhar o meu entrevistado de hoje num dia de inspiração excecional e com um à vontade e uma paz de espírito tocantes.
UM HOMEM SINGULAR… E PORTISTA
“Sou do Futebol clube do Porto.”
O QUE É QUE MAIS GOSTA DE FAZER?
“Gosto de conversar e de beber um copo. Adoro animar as pessoas. De as fazer felizes. Gosto de tocar e de cantar na minha taberna e de ter as pessoas animadas.”
“FESTAS DOS PESCADORES” TIVERAM INICIO NO FÔJO
“Foi aqui no meu bar que se realizaram, por minha iniciativa, as festas dos pescadores do concelho de Esposende. Dei de comer a todo o mundo, dia e noite. Convidava todas as entidades ligadas ao rio, ao mar e à pesca. Também convidei as autoridades locais. Realizaram-se aqui corridas de barcos e atribuí condecorações a muitos pescadores. As duas primeiras festas foram realizadas aqui. Depois mudaram-nas para Esposende.”
PORQUE É QUE FORAM MUDADAS PARA ESPOSENDE?
“Porque foram um sucesso e politicamente aproveitaram-nas e levaram-nas para Esposende. E sabe, nunca me convidaram para a Festa do Pescador que levaram precisamente daqui para a cidade.
SE FOSSE CONVIDÁDO ÍA?
“Claro que ia. Eu iniciei-as e gostei que tivessem seguimento. Agora até já são feitas em Fátima.”
O SÉRGIO AINDA TEM O SEU BARCO. CONTINUA A PESCA?
“Sim. Pesco lampreia e solha, mas distraio-me muito. Já não tenho idade para isso.”
FREQUENTA O “CANTINHO DO PESCADOR”?
“Não. Esse espaço devia estar aberto e ter condições mínimas para as pessoas poderem ir para lá. Está sempre fechado.”
O “FÔJO” EXISTE DESDE O ANO DE 1974
“O Fojo nasceu ali onde eu nasci. A minha mãe dizia que fui feito ali e que foi ali que nasci. O Fôjo já tem mais de quarenta anos e foi sempre aprovado por todas as instituições. Quando comecei a construir o Fôjo, pensava fazer e desfazer todos os anos. Acontece que fi-lo e os pescadores começaram a aparecer e a ajudar e então fui aumentando e melhorando.
As primeiras licenças de funcionamento eram anuais e sempre me foram renovadas. Foi aqui que, primeiro os pescadores e depois outras pessoas se juntavam para descontrair e conviver.”
A CONSTRUÇÃO DO FÔJO
“Comecei a construir aos bocadinhos. Plantei vegetação para proteger dos ventos, para decorar e para reduzir o impacto visual. Este trabalho foi feito por mim, com a ajuda pontual de alguns dos pescadores que andavam por aqui comigo. A manutenção foi sempre feita por mim.”
COMO COMEÇOU O FÔJO?
“Começou por ser o sítio onde os pescadores montavam a estacada, em frente ao rio onde se apanhava a lampreia. Os pescadores juntavam-se aqui, onde convivíamos e bebíamos uns copos. Hoje é o que toda a gente sabe. Um espaço onde as pessoas se juntam para beber uns copos, contar histórias, conviver e ouvir umas serenatas.”
AS NORTADAS DO FÔJO
“FIZ MAIS DE MIL FESTAS DE HOMENAGEM AOS PESCADORES”
“Muitos pescadores que passaram por aqui seguiram a sua vida e muitos deles, com a experiência daqui, foram abrir os seus próprios negócios. Fico contente quando os vejo a ter sucesso nos seus negócios. É bom para eles e para as famílias deles.”
1.000 PATOS NAS MARGENS DO CÁVADO
CONTE-ME LÁ A HISTÓRIA DOS MIL PATOS.
“Comprei mil patos com apenas um dia de vida. Ainda andam alguns por aí, porque eles reproduzem-se com facilidade. Soltei-os mas recolhia-os diariamente. No primeiro dia comeram um saco de produto, ao fim de dez dias já comiam dez sacos e ao fazer um mês eram vinte sacos, o que se tornou incomportável. Passado um ano, já adultos, na fase primaveril soltei-os de vez. Alguns já pesavam cerca de cinco quilos.”
DE ONDE LHE VEIO A IDEIA PARA COMPRAR E TRAZER OS PATOS PARA AQUI?
“Quando era criança tínhamos patos lá em casa. Deu-me saudades e pronto. E sabe os patos atraíram até esta zona milhares de pessoas. Então as crianças deliravam com os patos. Ao mesmo tempo também ajudei na preservação do ambiente.”
MAS NA ALTURA FALOU-SE QUE AS AUTORIDADES ESTARIAM CONTRA. É VERDADE?
“Sim. Começaram a questionar, dizendo que os patos podiam vir desequilibrar o ecossistema. Sabe, os patos não comem peixe. Até os partidos políticos se quiseram meter nisso. A maior parte apoiou-me, porque viam-nos como mais uma atração turística e na verdade os patos não faziam nenhum mal, nem à natureza, nem ao rio, nem a nada. Habituei-me a defender-me.
”SABE, JÁ A MINHA MÃE ME DIZIA: FILHO PÕE-TE DURO”
“Posso-lhe dizer que eu sou um dos principais defensores do ambiente, aqui nesta zona.”
E A ETAR CONSTRUIDA EM FRENTE AO FOJO MESMO AO LADO DA PONTE. O QUE LHE PARECE?
“Sou totalmente contra, como acho que será quase toda a gente. Eu acho que as autoridades locais se deveriam ter oposto aquilo. Para mim, aquilo é um atentado. Se reparar tem sido escritas ali algumas frases de descontentamento. A última diz «PETRÓLEO EM FÃO. ESTAMOS RICOS»… gargalhadas...”
VOLTEMOS AO FÔJO. NESTA ALTURA JÁ NÃO ME PARECE IMPORTANTE ABORDAR A QUESTÃO DA RECENTE POLÉMICA DA DEMOLIÇÃO, MAS NÃO PODEMOS DEIXAR DE RESUMIR AQUILO QUE SE TERÁ PASSADO.
“Foi mais um dos processos muito custosos para mim. Recebi uma carta a dar-me quinze dias para demolir e fiquei transtornado com aquilo. O que fiz foi tornar esta situação pública e logo senti a solidariedade de muita gente. Amigos, clientes, conhecidos e desconhecidos e na internet logo apareceram grandes movimentos de apoio à conservação do Fôjo. Fui à Câmara com a minha filha Mónica e fizemos questão de levar toda a documentação, porque eu arquivo sempre tudo e mostrámos na Câmara. Todos os papéis dizem que estamos legais. Reunimos com o senhor Presidente da Câmara, Arq.º Benjamim Pereira, que se mostrou disponível, dizendo que a Câmara apenas reencaminhou uma comunicação que recebera de outra entidade pública, a Agência Portuguesa do Ambiente, mas que estava totalmente disponível para colaborar, garantindo também a defesa do espaço. Acho que no final tudo acabou em bem.”
MANIFESTAÇÃO JUNTOU CERCA DE MIL PESSOASS EM DEFESA DO FÔJO. FOI O SÉRGIO QUE CONVOCOU ESSA MANIFESTAÇÃO?
“Não. Eu não convoquei nada. Formou-se, foi uma grande onda de solidariedade com as pessoas a aparecerem e a mostrarem-me todo o seu apoio. Cidadãos anónimos, figuras públicas, políticos, partidos, todos se manifestaram a favor da continuação da minha taberna. Fiquei muito comovido. Não tive como agradecer às pessoas.”
FECHADO ESSE EPISÓDIO, ACHA QUE O FÔJO DEIXOU DE ESTAR EM PERIGO?
“Eu sei que o Fôjo tem carências e reconheço-o. Eu quero melhorar, tal como sempre o fiz. É uma taberna tradicional. Os turistas estão fartos de casas que não lhes dizem nada. Tudo de azulejo, tudo igual e chegam aqui e acham piada.
A decoração com cordas, os bancos em madeira e as pessoas sentem-se à vontade. Sabe só não quero aqui drogas. Sempre estive atento e tive esse cuidado. Agora, mais copo, menos copo…”
DE ONDE VEM OS PRINCIPAIS CLIENTES?
“A maioria são portugueses, porque esses vem cá todo o ano. Vem gente de todas as classes e profissões. Gerentes bancários, empresários, trabalhadores, pescadores, estudantes, políticos, vem cá muita gente.”
E ESTRANGEIROS? SEI QUE TAMBÉM VEM CÁ MUITOS. DE ONDE VEM?
“Austríacos, holandeses, Suecos, Alemães e Franceses. Vem turistas de outros países mas talvez os que referi seja de onde vem mais. Muitos são-me fieis. Vem cá todos os anos.”
QUAL É O HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO?
“Aberto durante todo o ano, ao fim de semana. No verão abro diariamente, mas sempre só à noite. De dia abasteço e à noite abro ao público.”
O QUE É QUE SE SERVE NO FÔJO?
“Camarão, atum, bacalhau, churrasco, de tudo um pouco. E boa pinga, claro.”
A MITICA «BOTA D’ÁGUA»
“A bota d’água é a especialidade da casa. É uma bebida servida numa caneca de litro, feita por mim.” COM QUE INGREDIENTES? “A composição é segredo de estado, meu amigo….” risos…
E A ANIMAÇÃO?
“A animação é feita por mim. Toco viola, guitarra e canto. Gosto de dedicar poemas a pessoas e a terras. Já dediquei poemas a Fão, a Apúlia, a Fonte Boa e a muitas outras terras”
UMA TABERNA DE UM HOMEM COM UMA FILOSOFIA DE VIDA MUITO ORIGINAL E MUITO PRÓPRIA
“Os clientes sentem-se bem aqui. Muitos vem até cá, convivem, divertem-se e vão se embora. Alguns dali a pouco voltam, quando eu pensava que já se tivessem ido, eis que voltam.”
SEI QUE JÁ PASSARAM POR AQUI CANTORES FAMOSOS COMO SIMONE DE OLIVEIRA, RITA GUERRA, RÃO KYAO E OUTROS.
“É verdade. Já passou por aqui toda essa gente da música nacional. Cantaram cá, o que me deixou sempre muito contente. Também já cá esteve SAMUEL CABRAL, o guitarrista de passa por mim no Rossio.
Já cá esteve Manuel Monteiro, Alberto Figueiredo veio cá nas duas Festas dos Pescadores que aqui realizei, em 1993 e 1994, o atual presidente da Câmara também já cá veio, mas antes de ser presidente e muitas outras personalidades locais e nacionais.”
O SÉRGIO PARECE UM HOMEM MUITO SÓ. A QUE SE DEVE ESSE SEU ISOLAMENTO?
“Eu gosto de fazer as coisas sozinho, de contar apenas comigo. Às vezes é duro levar as coisas para a frente, mas eu não desisto. Não quer dizer que eu não gosta da ajuda dos amigos. O que eu não gosto é de estar a contar com eles. Assim nunca falho, porque apenas conto comigo, custe o que custar.”
UM DESEJO?
“Continuar a merecer a amizade das pessoas e a sua visita. Os sonhos são para quem está acordado. Quem dorme não sonha, está inconsciente.”
POETA E MÚSICO. UM VERDADEIRO TROVADOR
Deixo aqui alguns textos do Sérgio, tirados ao acaso de um dos dois caixotes cheios de escritos seus, em papel de toalha de mesa.
O amor é como a ciência da engenharia
E quando se esgota e não está certo,
Faz-se um novo projeto…
E nasce um novo amor!
Enquanto vivo,
Sinto que a morte não existe
E pensar nela é um desperdício
De tempo real!
Gosto do mar revolto
Porque me faz pensar
Nas crianças irrequietas
E na sua vida quando crescem!
E já será tarde
Quando se descobre que o casamento
É como uma lei imposta
Como uma ditadura quase escravizante
Que nos obriga a viver em… sociedade!
Não quero ir para o Céu quando morrer
Porque tenho medo das alturas
E me acabe o combustível
…No percurso!
Os Deuses num gesto inédito
Decidiram reunir num parlamento
E no congresso
Pôr fim às… guerras!
Admiro a imponência dos galos e a elegância
Quando impõem nas passadas a sua postura
Talvez cantem ou chorem,
Ao nascer do dia,
Mas a lei da sobrevivência
Diz-me que sou criminoso…
Por gostar deles!
Autor: Sérgio Sousa
NOTA FINAL
Conheço o meu caro amigo Sérgio há imensos anos. Há cerca de trinta anos, fui frequentador do «FÔJO», tal como acontecia com os muitos jovens que por ali passavam ao fim de semana. Mais do que um bar ou uma taberna típica, o Fôjo é um espaço de cultura cheio de histórias vivenciadas por um homem com uma filosofia de vida muito própria, onde impera o bem-estar, a descontração e a alegria ao som da guitarra tão bem dedilhada pelo Sérgio.
Também fiz questão de assinar a petição na internet contra a demolição do Fôjo, porque acho que o caminho deve ser outro o seja, a modernização da taberna. Assinei e escrevi lá o seguinte comentário: “O FOJO de FÃO faz parte do património material e imaterial de Portugal. Qual museu, qual sala de exposições; o Fojo é tudo isso e muito mais.
O FOJO é a casa das mais vivas tradições locais. 09h07 de 14/10/2015.”
Como curiosidade e mesmo a encerrar tenho que referir que a nossa conversa se dividiu em duas partes. A primeira conversa decorreu na cidade de Esposende, junto à sua casa, com o rio ao fundo. O enceramento da entrevista aconteceu neste bar mítico, banhado pelo Cávado, um espaço único, com uma decoração fantástica, repleto de versos e dedicatórias em todo o lado, qual delas a mais original. O Curioso mesmo é o facto de por mero acaso e sem marcação prévia a minha vinda ao Fôjo ter coincidido com um encontro casual da maior importância entre o Sr. Sérgio e o Arqº Benjamim Pereira, presidente da Câmara, aqui mesmo junto ao Fôjo. Ao chegar ao pé de mim, ainda algo emocionado, diz-me o Sérgio. Você trouxe-me sorte. Então não é que acabo de me cruzar aqui junto à ponte com o Sr. Presidente da Câmara, Arqº Benjamim (e outros membros da Câmara), que me tranquilizou quanto ao processo daqui do bar. Coincidências, Sr. Sérgio. Felizes coincidências!
Muto obrigado Sr. SÉRGIO. Adorei a conversa que tivemos e a forma franca e aberta como trata todas as questões. A sua sinceridade, a emoção e as lágrimas no canto do olho, marcaram-me. Desejo-lhe as maiores felicidades e que o “Fôjo” se modernize e perdure no tempo, enquanto ícone das margens da foz do nosso Cávado.
Obrigado pela amizade que me dispensa, que como sabe é reciproca.
Um abraço, forte.
VIVA 2016!
Que este ano de 2016 seja um ano de renovada ESPERANÇA. Que os nossos desejos e objetivos se concretizem e que os nossos sonhos se vão tornando realidade. O meu principal desejo é ter saúde. Com saúde tudo se consegue. Desejo a todos muita saúde e as maiores felicidades. Aos que habitualmente acompanham a minha intervenção e a minha escrita, um obrigado muito especial pelo incentivo que isso representa.
Vá lá, sejam felizes!
Mário Fernandes
02-01-2016




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